O crime de tortura e respectivas punições.
O presente artigo visa esclarecer aos Policiais Militares sobre o crime de tortura, de forma a conscientizá-los sobre as punições, bem como a forma de agir para que uma abordagem policial não venha futuramente a ser questionada sob o aspecto de eventual tortura.
Para melhor compreensão, o presente artigo será inscrito em forma de perguntas e respostas, abordando as principais dúvidas a respeito do tema.
O crime de tortura está previsto na Lei nº 9.455/97 e, nos termos da Constituição Federal, é crime considerado grave, uma vez que não se admite fiança, além de ser equiparado a hediondo.
Importante destacar que existem muitos equívocos quanto ao crime de tortura, principalmente no que tange às suas formas, já que muitos pensam que tortura ocorre apenas quando o sofrimento físico ou mental está ligado com a busca de uma confissão, o que não é verdade. Outro equívoco comum é quanto à perda do cargo e a situação da prescrição do crime do crime de tortura. Todas essas questões serão abordadas doravante.
PRINCIPAIS DÚVIDAS SOBRE O CRIME DE TORTURA:
1) O crime de tortura prescreve?
Resposta: Sim, o crime de tortura é prescritível. O que a Constituição Federal veda é a fiança, a anistia e a graça (perdão dado pelo Presidente da República). Quanto ao prazo prescricional, dependerá do caso concreto, uma vez que existem variações da pena para o citado crime. Portanto, o crime de tortura, ao contrário do que muitos dizem, é prescritível.
2) Quais as formas do crime de tortura?
a) Tortura-prova: este tipo de tortura consiste em constranger (obrigar) alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, com o objetivo de obter informação, declaração ou confissão. Entende-se por violência a agressão física, ao passo que a grave ameaça consiste na intimidação ou promessa de praticar um mal contra certa pessoa. Sofrimento físico, por sua vez, é a imposição da dor sobre o corpo, já o sofrimento mental é a aflição e angústia sobre determinada pessoa. Exemplo: O Policial, com o objetivo de conseguir informações sobre os demais comparsas, desfere socos no preso (violência física) ou diz a ele que caso não entregue os demais será jogado no “portão do inferno” ou em um rio cheio de jacarés etc.
É necessário que o policial fique atento para evitar ou precaver eventual acusação de tortura nesta modalidade. Isto porque, ao efetuar a prisão em flagrante de certa pessoa e sua contenção, caso o preso venha a resistir, a lei processual autoriza o uso da força, desde que proporcional à resistência e de forma moderada. Caso assim proceda e venha a causar lesões ou outros sinais no preso, é imprescindível que o policial elabore o Auto de Resistência, descrevendo a situação que obrigou o uso da força. Tal precaução servirá para rebater futuramente eventual alegação de que as lesões no preso foram praticadas com o fim de obter confissão, informação ou declaração.
b) Tortura como crime-meio: Nesta espécie de tortura, o agente torturador impõe à vítima sofrimento físico o mental, com o objetivo de provocar uma ação ou omissão de natureza criminosa. Exemplo: O chefe de uma associação criminosa tortura determinada pessoa para que esta venha a furtar um banco e entrar para aquele o dinheiro.
c) Tortura discriminatória ou racial: nesta espécie de tortura o sofrimento físico ou mental é aplicado à vítima em razão da sua raça ou religião. Exemplo: determinada pessoa é submetida a sofrimento, em virtude de fazer parte de determinada religião ou em razão da sua origem étnica.
d) Tortura-castigo ou tortura-pena: Aqui, nos termos do inciso II, do art. 1º, da Lei 9455/97, a tortura consiste em “submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”. Nesta espécie de tortura, por exemplo, encontram-se os pais ou quem detém a guarda que, de forma intensa, espanca o filho como forma de impor castigo.
e) Tortura própria: Está prevista no § 1º, do art. 1º, da Lei nº 9.455/97, e consiste em submeter “pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio de prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal. Entende-se por ato não previsto em lei toda ação que aflige o corpo ou a mente de quem esteja preso, sem que tal medida encontre amparo legal. O exemplo mais claro é quando o Policial Militar prende o indivíduo e leva para a Unidade Militar e espanca o detido. Mesmo que as agressões não tenha como finalidade a busca de uma confissão ou declaração, a tortura já se consumou, uma vez que não está previsto em lei e nem constitui medida legal agredir o preso que esteja sob sua guarda. Qualquer ato mais enérgico do Policial só será tido como legal se for decorrente do uso moderado da força, devidamente relatado no Auto de Resistência.
f) Tortura omissão: Incorre em omissão e responde pela tortura quem, diante de uma das condutas acima, deixa de evitar ou apurar a tortura. É o caso, por exemplo, do comandante da viatura que faz vistas grossas para o seu subordinado na medida em que esta tortura a vítima. A pena para tal espécie de tortura é de um a quatro anos de detenção. Para as demais espécies, a pena é mais grave, qual seja, de reclusão de dois a oito anos, além do aumento de pena de um sexto a um terço.
3) A perda do cargo depende da quantidade da pena ou carece de procedimento autônomo?
Resposta: A perda do cargo é efeito automático da condenação em crime de tortura. Isto significa dizer que, independentemente da quantidade da pena fixada na sentença, o policial que foi condenado em crime de tortura obrigatoriamente perderá o seu cargo. Em outras palavras, o juiz não tem discricionariedade em aplicar ou não a perda do cargo, como ocorre em outros crimes, já que a própria lei de tortura impõe tal efeito como consequência da condenação.
4) Qual a forma de cumprimento da pena do crime de tortura?
Resposta: Nos termos da Lei de Tortura, o condenado em tal crime deve iniciar o cumprimento da pena em regime fechado, exceto a espécie de tortura-omissão. Ou seja, independentemente da quantidade da pena, o regime a ser observado e aplicado será o mais grave. No caso da tortura-omissão é possível aplicar o regime semiaberto ou aberto, já que a própria lei fez a ressalva e até mesmo por ser punido com detenção, portanto, mais branda.
CONCLUSÃO
Diante do que foi exposto e de acordo com o que dispõe a Lei nº 9.455/1997, existem várias formas de tortura, inclusive quando a agressão física ou psicológica não esteja vinculada à busca de alguma prova ou informação. A acusação de tortura é grave e pode gerar consequências sérias para o policial, inclusive com a perda do cargo. Foi dito também que, caso o policial tenha usado da força moderada e, em razão disso causou alguma lesão ao preso, deverá lavrar o Auto de Resistência, descrevendo toda a situação que obrigou o uso da força, inclusive apontando as lesões eventualmente oriundas da conduta enérgica, necessária e proporcional do policial. Agindo dessa forma, o policial estará se precavendo de eventual acusação de prática de tortura, uma vez que estará no estrito cumprimento do dever legal.
Marciano Xavier das Neves é Advogado, especialista em Direito Constitucional, Professor e Palestrante.