Quem rouba mais: ricos ou pobres?
É muito difícil, num país que conta com poucas estatísticas (menos ainda quando consideramos somente as confiáveis), saber qual classe social no Brasil rouba mais (roubar aqui está em sentido amplo: surrupiar, furtar, extorquir, fraudar, corromper etc.). Aliás, no Brasil, é difícil até mesmo saber os critérios definidores das classes sociais. O pensamento mais clássico fala em classes A, B, C, D e E, levando em conta critérios econômicos (renda familiar). Se admitirmos (como muita gente admite) que classe A são as famílias com renda mensal superior a R$ 20 mil, teríamos 1,1% de ricos no Brasil. A classe B (classe média alta) ganharia acima de R$ 8 mil (quase 10% da população). A classe C ganha acima de R$ 1,6 mil (seriam 50% dos brasileiros). As classes D e E ganham abaixo de R$ 1,6 mil (são 39%).
Quando perguntamos sobre a ladroagem no País, a duas únicas certezas são: 1) todas as classes sociais delinquem (veja Sutherland assim como a teoria da do labelling approach); 2) os ricos são menos, mas seus crimes geram grandes prejuízos (só na Petrobras e no metrô de SP foram mais de R$ 10 bilhões em corrupção); os pobres são mais, mas seus crimes em regra causam baixos ou médios danos patrimoniais.
Os cofres brasileiros perderam, em média, 1,5% do PIB ao ano, entre 1960 e 2012, com a entrada e saída de dinheiro do país de maneira ilegal e criminosa. Fonte: Global Financial Integrity (GFI), que é uma organização de pesquisa e consultoria sediada em Washington (EUA); US$ 401 bilhões de dólares foram surrupiados dos cofres públicos no período. Forma de execução da fraude: mediante nota fria (falsidade ideológica) se promove o sub ou o superfaturamento das transações comerciais internacionais (cerca de 80% dos fluxos financeiros ilícitos ao redor do mundo acontecem dessa maneira). De plano, essa conta criminosa (1,5% do PIB por ano) vai para as classes poderosas na sua quase absoluta totalidade.
Policiais da Delegacia Fazendária do RJ deflagraram, em 15/9/14, a operação “A Cana é Nossa”, com o objetivo de desmontar um esquema fraudulento de transporte e beneficiamento de cana-de-açúcar produzida em canaviais do norte do estado em uma usina do Espírito Santo. A fraude causava um prejuízo de mais de R$ 1 milhão por mês em sonegação de ICMS (Globo). Fraude no ICMS todas as classes sociais praticam (mas os danos maiores ficam por conta dos mais ricos).
De acordo com o relatório da FIESP, o custo médio da corrupção no Brasil, em 2010, foi estimado entre 1,38% a 2,3% do PIB, isto é, de R$50,8 bilhões a R$84,5 bilhões. A corrupção é praticada por todas as classes sociais, mas não há como negar que o grosso do prejuízo é gerado pelos poderosos, sobretudo os que têm poder para dividir o orçamento público, que formaram o maior crime organizado do País. Essa roubalheira está diretamente ligada ao sequestro do mundo político pela esfera econômico-financeira (Bovero, discípulo e sucessor de Norberto Bobbio – Valor 12/9/14: 4). Mas seria equivocado afirmar que essa usurpação do político pelo econômico seja algo recente, posto que vem desde o princípio da modernidade, incrementada pela Revolução Francesa de 1789.
Pesquisa de vitimização realizada pelo Datafolha em 2 e 3 de abril de 2014 revelou que um em cada cinco brasileiros (de 16 anos ou mais) foi vítima de crimes no período de um ano (abril/13 a abril/14). Foram realizadas 2.637 entrevistas, em 162 municípios brasileiros. A pesquisa considerou o roubo, assalto (sic), agressão, sequestro relâmpago e invasão ao domicílio; 20% da população acima de 16 anos significa mais de 30 milhões de pessoas afetadas. Roubos e furtos são cometidos, normalmente, pelas classes sociais inferiorizadas.
A patuleia desvia, mas não são os únicos (muito menos os maiores). Padre Antônio Vieira (1608-1697), no Sermão do Bom Ladrão, já dizia:
“Não são ladrões somente os que cortam bolsas, ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título, são aqueles a quem os reis encomendam os exercícios e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor, nem perigo: os outros, se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam”.
No campo eleitoral, Timon (criado por João Francisco Lisboa, Jornal de Timon) afirmava o seguinte: “A justiça pede se declare que a nossa patuleia nem sempre se mostrou tão abjeta e vil, a mendigar espórtulas [gorjetas, donativos] como preço do voto. Mas quem ensinou a pedintaria e a ladroagem para as classes inferiorizadas? “Foram as classes superiores que lho ensinaram, sem pensar por seu turno quão pesados e incômodos lhes viriam a ser para o diante estes voracíssimos auxiliares” [a pedintaria bem como a corrupção eleitoral está enraizada nos costumes nefastos da política brasileira, fazendo parte desse escandaloso e fétido jogo não apenas os depravados candidatos senão também os próprios eleitores, que assim foram “ensinados” – pelo mau exemplo – pelos políticos, que transformaram as eleições de meio em um fim].